O cenário da produção cultural e acadêmica atualmente vive um momento singular, marcado pela emergência de “máquinas que criam” ou, que parecem criar. A popularização da Inteligência Artificial Generativa nos ateliês, escritórios de design e salas de aula não representa apenas uma atualização técnica, mas uma reconfiguração profunda da própria natureza do fazer criativo, onde o digital deixou de ser um mero suporte passivo, respondendo a comandos do profissional, para se tornar um ambiente de criação distribuída, onde a autoria deixa de ser um ato isolado e passa a ser uma negociação constante entre a intenção humana e a contribuição algorítmica.
E para falar desse cenário que convida a repensar sobre o que se cria, com quem se cria e como essas novas "ecologias cognitivas" transformam o papel do designer e do artista, o Professor da Universidade de Rio Verde, Diretor das Faculdades de Design Gráfico e Design de Interiores e membro do Grupo Internacional de Pesquisa Educação Digital (GPe-dU), Me. Marcio Rubens Sousa Santos explana sobre o uso da IA no contexto da profissão.
Segundo ele, o fazer conjunto de um texto usando a Inteligência Artificial, por exemplo, é um exercício de simpoiese, uma vez que, a escrita foi cocriada com uma IA, não como um atalho para evitar o pensamento crítico, mas como uma experimentação prática da parceria. Marcio explica que “esse tipo de material está longe de ser um plágio ou uma produção automática, pois não dispensou a experiência humana; contudo, ele carrega em sua estrutura e argumentação as marcas de uma agência distribuída, onde as sugestões algorítmicas se entrelaçaram às intenções autorais em uma nova categoria de autoria, uma que já temos exercido quase que diariamente no último ano mas que pouco temos discutido, “
O Professor explana sobre a utilização da inteligência e os direitos autorais. “Admitir a Inteligência Artificial como um parceiro ontologicamente plano, no mesmo nível de "importância" que o autor humano, e não uma mera "ferramenta" usada por ele, não implica, entretanto, supor que questões complexas como a discussão sobre os direitos de autor das obras utilizadas para o seu treinamento ou até mesmo sobre questões de direitos trabalhistas e diminuição de oportunidades de trabalho para profissionais da indústria criativa estejam superadas, “ cita.
Marcio completa, explicando que pelo contrário: “implica em complexificar o debate e reconhecer que a IA está sendo usada no mercado, com intensidade crescente e já é tida como uma vantagem competitiva no mercado global, tanto que as potências econômicas mundiais têm considerado tanto o hardware como o software necessários para seu funcionamento como recursos estratégicos imprescindíveis, “ mensura.
Levando para o campo das artes visuais e no design, o Docente comenta que a tensão é particularmente sensível nessas duas áreas. “É legítima a preocupação de que a IA generativa opere sob uma lógica extrativista, convertendo o vasto patrimônio cultural humano em dados de treinamento. Ilustradores e designers, com razão, sentem o peso de ver anos de aprimoramento técnico serem confrontados por prompts que geram resultados visualmente impressionantes em segundos. No entanto, o desafio contemporâneo é superar a dicotomia que opõe o "humano" ao "artificial", evitando cair em armadilhas que apenas demonizam a tecnologia ou, no outro extremo, que a aceitam sem crítica,” afirma.
Portanto, de acordo com Marcio Rubens, tratar a IA como cocriadora não significa minimizar esses riscos, mas sim convocar o profissional criativo a uma nova responsabilidade. “O designer e o artista contemporâneos, atuando nessa interface humanizadora, devem liderar a construção de novos aportes teóricos e práticos, como já fizeram em outros momentos da História. Isso envolve exigir transparência e explicabilidade dos algoritmos, "caixas-pretas", garantindo que a inovação não custe a ética, objetivando deixar de ter o mero "comando" sobre a máquina e passar a ser um atribuidor de sentido em uma parceria que potencialize a entrega final,” pondera.
“Estamos vivendo, assim, a transição do paradigma do "uso" para o da "interação". À medida que a IA deixa de ser uma "ferramenta" operacional estática e se torna um actante capaz de dialogar e reagir, inauguramos uma nova forma de sociabilidade e de fazer projetual. As fronteiras se tornam porosas: a criatividade deixa de ser uma propriedade exclusiva do sujeito humano e passa a emergir do ato conectivo entre autores orgânicos e inorgânicos. A inovação, neste cenário, é fruto dessa rede, sendo maior do que a soma das partes individuais,” ressalta Marcio
E para finalizar, o Professor acrescenta que em vez de decretar o "fim do design" ou da arte, a incorporação consciente das IAs generativas expande o campo de atuação profissional, introduzindo novas camadas de complexidade. “Essa mudança reverbera diretamente na educação: formar os designers, os artistas, os profissionais do marketing, da própria Educação do futuro não é mais sobre ensinar a operar softwares, mas sobre desenvolver competências críticas para coabitar e cocriar nesses contextos híbridos. O futuro da criatividade reside, como sempre residiu, na nossa capacidade de nos deixarmos intrigar pelo novo, saindo da zona de conforto para descobrir, agora em companhia de inteligências não humanas, modos de fazer que ainda não foram imaginados.”
Equipe Ascom UniRV
Jornalista Vanderli Silvestre - CRP 4126/GO
Arte: Vinicius Macedo/Fotos produzida com Inteligência Artificial